21/11/2012
Totalidade
Eu saio do chão, faço uma volta completa, certa de que tudo se encaixa.
Tudo faz sentido.
Quem não se encaixa são os outros.
Eu sim.
E eu vou voando, pegando impulso, levando e sendo levada.
Chego no topo, vejo o mundo e quero abraçá-lo.
Quando então me desfaço dessa altura meu corpo não acumula velocidade, ele vai apenas com seu peso e cai no chão, numa queda tão sutil que eu nem lembro mais como era abraçar o mundo.
E me findo.
Transe Somático Performativo
Eu não me levo porque o peso do que sou é o não-vai.
Eu não vou porque se vou não sei por quem vou.
Vou...
De repente eu me encontro e me digo o que preciso ouvir e vejo o que preciso ver.
Eu me peso.
16/03/2012
Sou
E não sei em que ordem. Porque tudo parece tão complexo que dá preguiça de analisar.
Então eu pego todas as coisas que me fazem parecer uma pessoa superficial e saio de casa para fazer coisas superficiais, falar de assuntos superficiais e ser uma grande coisa superficial ambulante.
Mas só durante cinco minutos, que é o tempo que eu agüento de verdade. Eu não sei sorrir sem querer sorrir. Eu não sei brincar sem querer brincar.
Eu não sei ser legal sem querer ser legal. Mas quando eu sou, eu sou de forma tão completa que não existe uma parte do meu corpo que não transborde tudo isso.
E meu único padrão é balançar a perna compulsivamente até fazer uma cratera no chão. E rir compulsivamente até doer a barriga.
Minha confusão particular é o que me aproxima do surreal, do sonho, da loucura, do meu lado criança, do meu lado mulher, do meu lado gente, de todos os meus lados – alcançáveis ou não. Escrever é minha forma de me entender. Ponto final."
The Virgin Suicides
Sentimos o aprisionamento que é ser garota, e como isso torna a mente ativa e sonhadora. Soubemos que as garotas são nossas gêmeas, que existíamos todos no espaço como animais de idêntica pele, e elas sabiam tudo ao nosso respeito embora nós não soubéssemos nada delas.
Soubemos, afinal, que as garotas são na realidade mulheres disfarçadas que compreendem o amor e até mesmo a morte, e que a nossa tarefa era apenas gerar o barulho que parecia fáciná-las..."
As Virgens Suicidas.
Jardins
Não posso querer só porque você quer.
Não nascemos colados. Não necessitamos um do outro.
Não é sadio pensar, lembrar.
Eu também cuidei de mim. Cuidei do meu jardim.
Cuidei e ainda cuido. Quis fechar esse jardim e cuidar dele sozinha.
A pessoa que sou é mutável. É crescente. Amanhã já não serei mais a mesma.
E ainda sei que serei melhor. Tive muito tempo para pensar.
Para me amar. Para me querer bem. Para me superar. Para encantar.
E não vou desperdiçar tudo isso agora. Não, jamais desperdiçarei.
Prefiro morrer um pouco a cada dia e, no final da jornada, ter vida eterna que fingir plenitude.
O que existe é o eu. É só isso o que existe. Preciso constantemente mudar para sempre ser eu mesma.
Sou palavra e também o seu eco.
Musik
Gosto da data do meu aniversário: é raro conhecer nascidos no décimo quinto dia do mês de agosto.
Gosto do meu signo. Gosto da minha voz firme.
Gosto das mnhas explosões. Gosto da minha inteligência.
Gosto da minha alegria, e do que ela desperta em outrem.
Gosto de não gostar do que não gosto. Gosto dos motivos que me fazem não gostar.
Gosto da minha sanidade. Gosto das minhas raivas.
Gosto das minhas lágrimas. Gosto dos meus amigos.
Gosto da forma como os faço. Gosto de eternizar momentos em fotos.
Me considero completa. Tudo em mim funciona de forma harmônica.
Se algo não o fosse, então eu não seria.
Amém
Não adianta pôr a cabeça no lugar depois de passar por coisas ruins, e decidir o "indecidível".
As vezes os mesmos erros são cometidos e irreparados. As vezes dias entediantes voltar a acontecer.
A única coisa certa a pensar é que o futuro a Deus pertence, e tudo não passa de um estado de espírito.
Não nos cabe tentar enxergar além do que podemos ver. Pro nosso próprio bem.
Poesia
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz.
Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas.
Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse.
E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crianças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lopes de Vega.
Às vezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.
(Cecília Meireles)
Sem saída
Nos olhos do cachorro
E a todo animal que ele quis Que visse
Sua obra já pronta.
Morro de medo dos teus olhos Sem palavras
Bigorrilhos, duques e xerifes
Porque me viciei em sons Codificados
Porque eu sei que amar é Abanar o rabo
Lamber, latir e dar a pata."
E que assim seja
Assim, nada há de mais inepto em amor do que se adaptar um ao outro, de se polir um contra o outro, e todo esse sistema interminável de concessões mútuas...
E, quanto mais os seres chegam ao extremo do refinamento, tanto mais é funesto de se enxertar um sobre o outro, em nome do amor, de se transformar um em parasita do outro, quando cada um deles deve se enraizar robustamente em um solo particular, a fim de se tornar todo um mundo para o outro."
Lou Andreas-Salomé.
Homem se ajoelhar
E, depois, é bom porque a cabeça do homem fica perto dos joelhos da mulher e perto de suas mãos, no seu colo, que é sua parte mais quente.
E ela pode fazer seu melhor gesto: nas mãos, que ficam a um tempo frementes e firmes, pegar aquela cabeça cansada que é fruto entre seu e dela.
Lispector.
Hemorragia
E só chega aqui quem tem peito.
Quem grita por liberdade e tem coragem de se desfazer do mal.
Dói. Mas passa. E quando passa conclui-se que há a felicidade plena.
Mesmo com as cores esmaecidas que tornam tudo tão belo.
Guardo Volumes
Há um silêncio dentro do quarto onde estou nesse momento.
Mas não é um silêncio qualquer. É um silêncio que me atordoa, que me faz lembrar que há na minha vida um enorme vazio e uma gigante falta de senso.
Pronto. Achei a palavra que talvez me defina: Insensatez. Não sou uma pessoa sensata, tampouco inteligente nas questões emocionais.
Creio que o meu carma agora seja o impulso. Sou cheia de impulsos. Eu mesma sou um impulso.
E justamente esse silêncio de agora destrói a minha alma. Por ser calmo, por não anunciar tempestade alguma, por fazer minha mente vagar pelo passado e pelo medo do futuro.
Por sempre trazer à tona fraquezas e medos. Por me lembrar sempre que sou fraca e estúpida.
Finalmente! Ouço vozes na rua e meu coração se acalma. Mas sei que o maldito silêncio retornará e fará de mim um monstro.
O Lustre
É uma cidade suja e desordenada, como se o principal fosse o mar, as pessoas, as coisas.
As pessoas parecem morar provisoriamente.
E tudo aqui tem uma cor esmaecida, mas não como se tivesse um véu por cima: são as verdadeiras cores."
Cadernos de Turismo
O que danado a gente vai fazer em Lisboa? Bariloche e Shangri-lá? Traslados para lá. Para cá. Travessia de barco pelos Lagos Andinos. Nunca tinha ouvido falar em Viña Del Mar, Valparaíso. A gente não devia sair do lugar.
Quem já viu se aventurar na Ilha do Cipó? Ilha do Marajó? Itacaré? Fugir de dentada de jacaré? O que você quer, homem? Sem dinheiro, chegar onde? Não tem sentido. Oklahoma, nos Estados Unidos. É delírio. Peregrinar até as múmias do Egito.
Que história é essa de cruzeiro marítimo? Caribe, Terra dos Vikings, Mediterrâneo? Enfrentar o Oceano Atlântico? Canadá, Canaã? Deserto de Atacama? Que besteira! Ir para Bali, Beijing, Xian, Xangai, Hong Kong.
Zé, olhe bem defronte: que horizonte você vê, que horizonte? Pensa que é fácil colocar nossos pés em Orlando? Los Angeles? Valle Nevado? Que língua você vai falar no Cairo? Em Leningrado? Nem sei se existe mais Leningrado.
Zé, esquece.
Nada de Andaluzia. Tahiti. A gente fica é aqui. Que Sevilha? Roteiro Europa Maravilha. Safári na África pra quê? Passar mais fome? Leste Europeu, Escandinávia, PQP.
Presta atenção: a gente nem conhece o Brasil direito. Bonito, Chapada Diamantina. Dos Veadeiros. A América Latina. Guiana e Guiana Francesa. Não existe beleza. Rota do Sol. Rota das Estrelas. Perca. Atrase a viagem, Zé. Não parta.
Você não vai para a ilha de Malta, não vai. Eu não deixo. A vida da gente é aqui mesmo. Sempre foi aqui mesmo. Não nascemos no Berço da Civilização, Istambul e Capadócia.
Zé, o que deu na tua cabeça? Ora, joça! Estamos Longe de Miami, homem. Acapulco e Suriname. Nosso destino é um só. A gente não tem dólar. A gente não tem cartão. Deixa de imaginação. Você não tem medo de avião? Tanta asa que cai pelo chão. Atentado, bomba em Bengasi, doença em Botsuana.
Zé, estou sendo franca: olha bem pra nossa cara.
Por que partir para Dinamarca? Caracas? Cancún, Congo? Cachorro a gente enterra em qualquer canto. Enterra aí no quintal, Zé. E pronto."
07/03/2012
Quem?
A gente passa a vida toda sendo uma coisa, ou achando que é essa coisa que a gente passou a vida vivendo, e tem sempre um dia que a gente acorda e acha que não sabe mais quem são os outros.
Isso porque foi os outros quem disseram a você tudo o que você sabe sobre si mesmo. E quando você não sabe mais quem é, significa que todos foram viver suas vidas, enquanto que você ficou o tempo todo preocupado em agradar essa imagem que os outros fizeram de você.
- Eu achei que você era iluminadora desde que nasceu!
Eu? Mas eu sou a bailarina! Eu SOU (e agora apertei a tecla caps lock involuntariamente, então vamos respeitá-la) a menina que dança passinhos de balé na fila do banco! Nunca viu? Ninguém nunca viu? Eu danço, eu escrevo, eu choro, eu grito... Eu faço tanta coisa... E ninguém nunca viu?
Pausa pra um momento reflexivo e ao mesmo tempo triste. E o que eu faço então? Faço uma forçação de barra e fico bailando valsas, no auge dos meus 24 anos, pelas ruas?
Olha aqui, eu escrevo! Tá vendo essa página no BLOG? Fui eu quem criou. É sim, esse texto é meu, embora eu nem saiba mais porque escrevi isso... Tá vendo que eu tenho sensibilidade? Tá vendo que eu não sou dura? Tá vendo que eu não fico “nervosinha” o tempo todo? Eu também sou capaz de rezar. E pedir a Deus por todos nós.
Mas resta saber é se Deus está por todos nós.
Amém.